CUIDADOS PALIATIVOS PERINATAIS: ABORDAGEM DIANTE ANOMALIAS CONGÊNITAS QUE AMEAÇAM A CONTINUIDADE DA VIDA

CUIDADOS PALIATIVOS PERINATAIS: ABORDAGEM DIANTE ANOMALIAS CONGÊNITAS QUE AMEAÇAM A CONTINUIDADE DA VIDA

PERINATAL PALLIATIVE CARE: APPROACH TO CONGENITAL ABNORMALITIES THAT THREATEN THE CONTINUITY OF LIFE

CUIDADOS PALIATIVOS PERINATALES: APROXIMACIÓN A LAS ANOMALÍAS CONGÉNITAS QUE AMENAZAN LA CONTINUIDAD DE LA VIDA

Lucas Ferreira Alves . Doutor. Professor adjunto. Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Centro Universitário UNA. ORCID: 0000-0002-8075-0674

Danyelle Maria Silva. Enfermeira. Universidade Federal de São João Del Rei. Acadêmica de Medicina. Universidade Católica de Minas Gerais. ORCID: 0000-0002-4465-4976

Rafaela de Brito Ribeiro. Cirurgiã Dentista. Universidade Federal de Minas Gerais.  Acadêmica de Medicina. Universidade Católica de Minas Gerais. ORCID: 0000-0002-3686-2329

Thiago Oliveira Araújo. Acadêmico de Medicina. Universidade Católica de Minas Gerais.

Carlos Eduardo Alves Rodrigues. Discente de enfermagem. Instituição a que pertence.

Brisa Emanuelle Silva Ferreira. Enfermeira. Mestre em Saúde e Enfermagem, Professora Adjunta do Centro Universitário de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG. ORCID: 0000-0001-5514-5475

Autor correspondente:  Danyelle Maria Silva. E-mail: danyellesilvamaria@gmail.com

RESUMO: Objetivo: identificar quais condutas são tomadas frente a fetos e neonatos com anomalias congênitas e fatores facilitadores e dificultadores para a atuação da medicina fetal e neonatologia neste escopo. Método: revisão sistemática da literatura realizada entre os anos de 2018 e 2022. Resultado: nas estratégias utilizadas para encaminhamento aos cuidados paliativos no pré-natal estão o apoio psicoespiritual priorizado a família e as opções de cuidado para avaliar até qual ponto intervir de forma invasiva no atendimento ao nascituro. Identificou-se que a falta de preparo profissional para abordar a família de um nascituro com mau prognóstico faz com que não tenham o tato necessário para tal ação. Conclusão: em um momento que a família passa por um processo de luto, exaustão emocional e necessidade de tomada de decisões, é imprescindível a capacitação dos profissionais para atuarem com qualidade, de forma a melhorar a organização do serviço e a assistência adequada.

DESCRITORES: Cuidados paliativos; Anormalidades congênitas; Perinatalogia; Neonatologia.  

 INTRODUÇÃO

 Na análise ampliada do curso da vida temos o ciclo em que o ser humano nasce, cresce, envelhece e só após isso passa pelo processo de morte. Tratando-se da medicina fetal em algumas situações esse ciclo da vida pode ser alterado, e a morte torna-se um fato ao recém-nascido. Lidar com o processo de morte perinatal e neonatal é algo extremamente delicado, já que demanda da equipe profissional conhecimento para manejar de forma técnica e humana adequada a essa situação tão delicada1,2.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os cuidados paliativos podem ser caracterizados como a aplicação de ações desenvolvidas por uma equipe multiprofissional com o objetivo de promover qualidade de vida ao paciente e sua família diante uma condição que ameace a continuidade da vida. Diante disso, suas premissas são:  alívio do sofrimento físico, psicológico, espiritual e social.  Os cuidados paliativos na neopediatria seguem os mesmos princípios e utiliza da interdisciplinaridade na busca da melhoria da qualidade de vida de crianças com risco de morte, bem como o acolhimento e acompanhamento de seus familiares3.

Na última década, considerando os avanços da medicina fetal, tornou-se possível identificar anomalias congênitas de forma precoce e com grande precisão e acurácia. Síndromes que possuem cariótipo já conhecido facilitam o processo de tomada de decisão acerca da conduta a ser realizada com o feto e posteriormente com o neonato, e assim, os cuidados paliativos podem ser implementados ainda na fase de gestação. Um dos maiores dificultadores para a abordagem paliativa é a comunicação com a família a respeito de situações em que a anomalia é sabidamente letal ou em casos de fetos portadores de trissomia dos cromossomos 13 e 18 se enquadram como os mais frequentes casos que necessitam de acompanhamento paliativo exclusivo4,5.

Durante o período pré-natal, caso exista a suspeita de alguma alteração fetal o profissional deve investigar causas genéticas através da cariotipagem e exames morfológicos detalhados para que seja possível traçar um plano de cuidado integral para a família. Quando determinada a condição do feto, os profissionais de saúde devem aconselhar a família sobre quais as decisões podem ser tomadas diante a situação. Síndromes como Edward e Patau são conhecidas pela letalidade, e o aconselhamento parental deve levar em consideração os prognósticos das doenças, sendo esclarecido que o processo de morte não tem um tempo pré-definido podendo acontecer ainda intraútero ou em até meses de vida do neonato4,5.

Por outro lado, ao falar da implementação de cuidados paliativos perinatais estamos de frente a uma série de dilemas éticos que permeiam a medicina fetal e a neonatologia. Identificar a viabilidade fetal, síndromes existentes e estabelecer condutas são pontos delicados para os profissionais que atendem a gestante. Atualmente, ao analisar o contexto internacional dos cuidados paliativos perinatais existem três frentes que podem ser seguidas: terminalidade da gestação ao identificar as anomalias sabidamente letais; diagnosticar ainda intraútero possíveis síndromes e iniciar a abordagem paliativa no pré-natal e por fim aguardar o nascimento para definir se o suporte será com medidas invasivas e curativistas ou se o cuidado paliativo deverá ser abordado4,5.

Permeada de dilemas éticos e morais, a medicina fetal se mostra ainda com um desenvolvimento escasso quando se trata de cuidado paliativo. O sentimento de impotência, medo e desamparo são frequentes na classe médica que ainda não tem todas as respostas para os casos clínicos que surgem durante sua atuação. O ciclo saúde-doença é focado no modelo curativistas e se deparar com casos em que a cura não é a opção traz insegurança para a equipe, a situação é amplificada quando lidamos com essa realidade no período neonatal. É necessário compreender a existência da medicina e do cuidado como algo além de curar, os seres humanos vão além de uma maquinaria com defeito e por isso os aspectos biopsicossociais devem ser priorizados para a assistência em saúde. A abordagem paliativa perinatal, não se dá devido a uma incompetência dos profissionais em tratar o feto, ela é um avanço que garante dignidade humana desde o momento do acompanhamento pré-natal. Dessa forma o processo de luto e vivência daquela família que nasce se dá de uma forma mais humaniza4,5.

Considerando o problema exposto, a abordagem dos cuidados paliativos é uma ferramenta importante e capaz de promover a dignidade humana nas diferentes etapas da vida. No entanto, a abordagem paliativa perinatal e neonatal diante anomalias congênitas que ameaçam a continuidade da vida do recém-nascido ainda não é muito clara. Sendo assim, este trabalho tem como objetivo identificar como ocorre a conduta da equipe profissional na abordagem de famílias com nascituros diagnosticados com anomalias congênitas incompatíveis com a vida e o manejo realizado, de forma que seja possível elucidar os fatores dificultadores para a abordagem paliativa perinatal.   

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão sistemática realizada entre os anos de 2018 e 2022. Foram utilizadas para a pesquisa as bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que incluem: Base de Dados de Enfermagem (Bdenf), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) e coleção Scientific Electronic Library online (Scielo); e base de dados Medline, através da PubMed - National Library Of Medicine National Institutes Of Health. O refinamento da pesquisa foi realizado por meio da utilização dos seguintes descritores: Cuidados paliativos, Perinatologia, Neonatologia, Medicina fetal e Anormalidades congênitas. Artigos que não tenham caráter científico ou que não se enquadrem na temática do estudo foram excluídos. Garantindo a consideração ética todos os autores terão seus estudos rigorosamente referenciados.

Durante o processo de revisão da literatura para análise dos artigos foram considerados os seguintes aspectos: área do conhecimento, variáveis estudadas, método e relevância da pesquisa. Feito o delineamento dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos, foram selecionadas inicialmente 23 produções, essa seleção após leitura minuciosa elegeu 12 estudos que se enquadram na temática proposta. Após leitura dos estudos selecionados, foi desenvolvida uma análise criteriosa buscando identificar as temáticas mais relevantes dos artigos para que em seguida elas pudessem ser organizadas, visando a coleta das informações necessárias para que se respondesse à pergunta da pesquisa.

RESULTADOS

Ao analisar os artigos selecionados observou-se que a maioria utilizou um método qualitativo ou qualitativo/quantitativo para descrição e análise dos dados 83,33% da amostra). Em relação às bases de dados a quantidade de artigos presentes na MEDLINE (PUBMED) se mostrou significativamente maior (75%) quando comparada às outras. As publicações que abordam o tema são majoritariamente internacionais e em inglês. Os dados referentes as critérios e características dos artigos estão descritos na tabela 1.

Tabela 1. Características dos artigos selecionados

Os resultados da busca estão dispostos na tabela 2 e foram categorizados de acordo com as variáveis encontradas nos artigos selecionados.

Tabela 2: Categorização dos estudos

DISCUSSÃO

Estratégias utilizadas para encaminhamento aos cuidados paliativos ainda no pré-natal

Ao identificar uma suspeita ou após o diagnóstico final de um feto portador de anomalia congênita os profissionais se veem diante um dilema ético e moral para abordar a família, principalmente a gestante, quanto ao prognóstico do bebê e prosseguimento da gestação. Em alguns países (na grande maioria países desenvolvidos) o aborto é uma prática legalizada e que se torna uma opção para a mulher, porém aquelas que decidem prosseguir com a gravidez muitas vezes não conseguem o acompanhamento do pré-natal de uma forma adequada. Com os avanços da medicina fetal se tornou possível realizar intervenções intraútero para melhorar o prognóstico do bebê, mas cabe ao médico avaliar se o risco em que a gestante se coloca irá de fato causar um impacto significativo na sobrevida do feto. Mesmo com todos os aparatos tecnológicos que hoje a medicina fetal e neonatal dispõe é importante que a humanização e respeito ao cuidado integral se tornem base do pré-natal de uma gestação atípica, em que a morte do feto é uma realidade. O apoio psicoespiritual deve ser priorizado a família para que ela se prepare e viva todos os lutos que permeiam essa caminhada, é importante entender que o luto começará antes mesmo do nascimento, uma vez que a família passa pela quebra da idealização do bebê imaginário e começa a se deparar com recém-nascido que eles não podem prever. O momento do pré-natal deve ser utilizado para munir de conhecimento os pais e também os informar sobre as opções de cuidado, para que juntos a equipe seja possível avaliar até qual ponto intervir de forma invasiva no atendimento ao nascituro4,5.

Manejo do recém-nascido no processo de parto e pós-parto

Durante o nascimento do bebê portador de anomalias congênitas a conduta médica já deve estar alinhada com os pais. Quando o prognóstico já é certo os neonatologistas tem confiança para dar um suporte que busque o conforto do neonato sem intervenções curativistas, o parto se torna um momento de criação de vínculo dos pais com o bebê e tudo deve ser organizado para que aquela tríade posso vivenciar uma experiência positiva, mesmo diante uma situação com mau prognóstico. Uma vez que o recém-nascido se encontra estabilizado deve ser permitido e estimulado o contato pele a pele, amamentação e os primeiros cuidados com participação da mãe e do pai. Em casos em que o nascituro tem óbito imediato os cuidados com bebê também devem ser compartilhados com a família, se assim desejarem, o momento do banho, preparo do corpo e até mesmo o contato pele a pele podem ser realizados. Respeitar a vivência daquele momento tão aguardado pelos pais deve ser o foco da equipe que presta a assistência, quando a abordagem paliativa começa ainda no pré-natal o plano de parto e puerpério é trabalhado durante a gestação e garante que o nascimento do bebê seja menos traumático para família e mais confortável para o recém-nascido que passará por um manejo adequado dos sintomas garantindo o seu conforto7,11,13,15.

Preparo profissional para abordar a família de um nascituro com mau prognóstico

A medicina fetal e neonatal passou por avanços tecnológicos expressivos na última década, mas mesmo com todos os aparatos científicos os profissionais ainda relatam um despreparo para abordar as questões psicossociais de uma família com um feto portador de anomalia incompatível a vida. Comunicar uma notícia difícil é um processo complicado e delicado para os profissionais, principalmente os que atuam na assistência perinatal, por isso muitas vezes deixam para abordar a família de forma tardia e não esclarecem de fato o prognóstico do bebê ou da gestação. A falta de capacitação nas especializações e graduações forma profissionais resistentes a enfrentar tais dilemas bioéticos ou até mesmo, faz com que não tenham o tato necessário para tal ação. Por isso implementar uma educação permanente em saúde e inserir esses tópicos na formação profissional se torna imprescindível8,9.

CONCLUSÃO

O cuidado paliativo na perinatalogia ainda precisa ser reforçado e desenvolvido, no entanto é uma ferramenta muito importante na clínica médica. Em um momento que a família passa por um processo de luto, exaustão emocional e necessidade de tomada de decisões, os profissionais de saúde são imprescindíveis e enfrentam barreiras que dificultam a implementação dessa abordagem. Foram identificados os seguintes fatores dificultadores do processo de cuidado paliativo: a formação profissional, dilemas bioéticos e morais, obstáculos na privacidade com paciente e familiares, despreparo profissional, dentre outros. Também foi possível constatar no estudo a insipiência de pesquisas que demonstram a vivência da equipe multidisciplinar que atua com cuidados paliativos em perinatalogia e na medicina fetal, Dessa forma, percebe-se a necessidade de estudos que sinalizem a prática dos profissionais envolvidos nos cuidados paliativos e a capacitação dos mesmos para atuarem com qualidade, de forma a melhorar a organização do serviço e uma assistência adequada.

REFERÊNCIAS

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