Código de Conforto: a implantação de uma ferramenta desenvolvida para o atendimento de pacientes em fase final de vida

Autores:

¹Mayra de Almeida Frutig; ²Francine de Cristo Stein; ³Luciana Louzada Farias, 4Ricardo Vilela Medeiros, 5Mara Graziele Maciel Silveira, 6Samanta Gaertner Mariani, 7Clara Maria Conde Antunes, 8Andressa Yuri Arakaki Gelmetti, 9Júlia Drummond de Camargo.

*Autor da correspondência: mayra.frutig@hc.fm.usp.br

¹Mayra de Almeida Frutig: MF

¹MF: Médica Geriatra e Paliativista, Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil desde 2013 e Instituto de Câncer de São Paulo-ICESP, São Paulo 01246-000, SP, Brasil desde 2012; desempenhou um papel significativo na concepção e desenho do estudo e forneceu informações valiosas e interpretação dos resultados.

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-5203-7716

²Francine por Cristo Stein: FCS

²FCS: Médica Geriatra e Paliativista, Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil desde 2013; esteve ativamente envolvido na redação e revisão crítica do manuscrito, garantindo sua precisão e aderência aos padrões acadêmicos.

ORCID: https://orcid.org/0009-0008-8447-0435

³Luciana Louzada Farias: LLF

³LLF: Médica Geriatra e Paliativista, Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil desde 2013; As contribuições foram fundamentais para moldar o conteúdo e a qualidade deste artigo.

ORCID: https://orcid.org/0009-0002-6981-2990

4Ricardo Vilela Medeiros: MD, RVM

4RVM: médico paliativista Hospital Albert Einstein de São Paulo, 05652-900, SP, Brasil; contribuindo para o rigor científico das descobertas, bem como para a aquisição e análise de dados.

Orcid: https://orcid.org/0009-0002-9124-706X

5Mara Graziele Maciel Silveira: MGMS

5MGMS: Médica Geriatra e Paliativista, Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil; esteve ativamente envolvida na coleta de dados.

https://orcid.org/0000-0001-5880-5221

6Samanta Gaertner Mariani: SGM

6SGM: Médica Paliativista, Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil; esteve ativamente envolvido na análise e interpretação dos resultados e na preparação do manuscrito.

https://orcid.org/ 0009-0001-5340-6958

7Clara Maria Conde Antunes: MD, CMCA

7CMCA: Enfermeira Paliativista Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil; esteve ativamente envolvido na coleta de dados e realizou o desenho da pesquisa.

https://orcid.org/ 0009-0001-5304-634X

8Andressa Yuri Arakaki Gelmetti: AYAG

8AYAG: Enfermeira Paliativista Hospital São Camilo de São Paulo 05.022-001, SP, Brasil; esteve ativamente envolvido na coleta de dados.

https://orcid.org/0009-0002-7551-9256

9Júlia Drummond de Camargo* MD, JDS

9JDS: Enfermeira Paliativista do Hospital Samaritano, São Paulo – Brasil; As contribuições foram: interpretação dos resultados e revisão do manuscrito.

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7240-0781

RESUMO

Objetivos: Descrever uma ferramenta desenvolvida por uma equipe de cuidados paliativos para identificar e orientar a avaliação rápida de pacientes com objetivo de cuidado de priorizar medidas de conforto e não candidatos à medidas invasivas, que necessitam de medidas de conforto e identificar os principais gatilhos para a ativação do código. Métodos: Estudo de coorte retrospectivo de pacientes adultos internados em cuidados paliativos entre março e dezembro de 2018 em um hospital privado brasileiro, descrevendo a implementação de uma ferramenta denominada "Código de Conforto", acionada por profissionais à beira do leito para controle rápido de sintomas e sofrimento no final da vida. Resultados: O Código de Conforto foi prescrito para 187 pacientes, com amostra final de 154 pacientes, com mediana de idade de 84 anos, predominantemente do sexo feminino (56,49%). A maioria (92,85%) foi tratada por uma equipe de cuidados paliativos. O Código de Conforto foi acionado em 80 pacientes, principalmente devido à dispneia. Conclusão: Este estudo destaca a necessidade do Código de Conforto no gerenciamento do desconforto e na detecção precoce dos sintomas, enfatizando a importância do monitoramento eficaz dos sintomas e do treinamento em cuidados paliativos e cuidados de fim de vida.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos. Conforto. Fase final de vida. Manejo dos sintomas. Time de Resposta Rápida. Equipe multidisciplinar.

ABSTRACT

Aims: Describe a tool developed by a palliative care team to identify and guide rapid assessment for patients with Do Not Resuscitate (DNR) order who require comfort measures and identify the main triggers for code activation. Methods: Retrospective cohort study of adult inpatients in palliative care between March and December 2018 in a Brazilian private hospital, describing the implementation of a tool named "Comfort Code," triggered by bedside professionals for rapid symptom and suffering control in end-of-life. Results: Comfort Code was prescribed to 187 patients, with final sample of 154 patients, a median age of 84 years, predominantly female (56.49%). Most (92.85%) were treated by a palliative care team. The Comfort Code was triggered in 80 patients, primarily due to dyspnea. Conclusion: This study highlights the necessity of the Comfort Code in managing discomfort and early symptom detection, emphasizing the importance of effective symptom monitoring and improved palliative care training.

Keywords: Palliative Care. Comfort. End-of-life. Symptom management. Rapid Response Team. Multidisciplinary Team.

  1. INTRODUÇÃO

O Early Warning Score (EWS), que avalia o risco de morte em curto prazo, baseia-se em vários parâmetros fisiológicos, como sinais vitais que são mensurados rotineiramente pelas equipes de enfermagem, pois essa detecção precoce e avaliação adequada têm demonstrado prevenir complicações graves dos pacientes internados1.

Os Times de Resposta Rápida (TRR) foram desenvolvidas para identificar e tratar pacientes em deterioração em unidades de internação gerais. A abordagem mais comumente proposta para o problema de identificar e estabilizar pacientes hospitalizados em deterioração inclui um EWS para detectar a deterioração e um TRR para lidar com ela. Infelizmente, os EWSs e TRR não foram rigorosamente criados para identificar pacientes que provavelmente não se beneficiarão de cuidados de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que podem ser candidatos para cuidados paliativos2.

O TRR é treinado intervindo prontamente sempre que tais sinais de alerta são detectados3. Os EWS não atendem adequadamente às necessidades do perfil do paciente em Fim de Vida, pois não foram projetados para detectar o processo ativo de morte. No entanto, este é o sistema de pontuação utilizado em nosso hospital e estabelecido mundialmente. Espera-se que os pacientes em cuidados paliativos na fase final de vida, particularmente aqueles que se aproximam das últimas horas de vida, apresentem alterações nos sinais vitais à medida que o processo de morte avança. No entanto, esses pacientes podem sentir desconforto e sofrimento não reconhecido às vezes. Por isso, os EWS não atendem adequadamente a esse perfil de paciente4.

O termo 'status de código' é frequentemente usado de forma imprecisa para se referir a uma combinação das preferências de um paciente em relação às respostas à parada cardiorrespiratória (PCR) e/ou suas perspectivas sobre a busca de intervenções médicas agressivas. Com a implementação de TRR em muitos hospitais, está crescendo a necessidade de diferenciar entre o status de código de um paciente e seus objetivos de cuidado. Em algumas instituições, como a nossa, esses TRR gerenciam pacientes que estão clinicamente descompensados e têm um papel separado da "equipe de código azul" que, por sua vez, responde apenas aos eventos de PCR4.

A maioria dos óbitos em cuidados paliativos ocorre em unidades de internação e nem todos os serviços possuem equipe de cuidados paliativos5. Diante dessa realidade, e a fim de garantir a avaliação adequada e o alívio rápido dos sintomas de fim de vida, um código específico denominado Código de Conforto foi desenvolvido com o objetivo de promover a sistematização desse atendimento ao paciente com detecção precoce de sinais de desconforto dando a mesma importância que a detecção precoce do EWS. Com a ativação desencadeada pela avaliação da equipe de enfermagem e gerenciada pelo TRR.

Nesse contexto, este estudo teve como objetivo descrever uma ferramenta construída por uma equipe de cuidados paliativos para monitorar os sintomas e orientar a resposta rápida para pacientes internados em cuidados de fim de vida que necessitam de medidas de conforto, denominado Código de Conforto, a fim de manejar o sofrimento de pacientes que não desejam tratamentos invasivos e artificiais de prolongamento da vida, identificando os principais gatilhos para ativar o Código de Conforto.

  1. MATERIAIS E MÉTODOS
  1. Desenho do estudo e participantes

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo de pacientes adultos internados em cuidados paliativos entre março de 2018 e dezembro de 2018 em um hospital privado na cidade de São Paulo, Brasil.

Foram incluídos pacientes em cuidados de fim de vida, com objetivo de cuidado de priorizar medidas de conforto, em unidade de internação, com prescrição de código de conforto e em leitos não críticos no momento da prescrição do código. Os pacientes foram excluídos se a prescrição do código fosse removida a qualquer momento durante a internação.

Foram coletadas as seguintes informações do prontuário dos pacientes: idade, gênero, indicação de cuidados paliativos, gatilhos e quantidade de ativações do Código de Conforto e desfechos desses pacientes.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética Local (CAAE: 30223820.4.0000.0062). Dado seu desenho retrospectivo e dependência de revisões de prontuários médicos, a exigência de termo de consentimento livre e esclarecido foi dispensada.

  1. Análises estatísticas

Foi utilizada análise descritiva relatar os resultados. As variáveis contínuas foram apresentadas através do uso de mediana e intervalo interquartil. Números absolutos e relativos foram usados para apresentar variáveis categóricas.

  1. Código de conforto

O Código de Conforto é uma ferramenta desenvolvida por nossa equipe de cuidados paliativos para facilitar a avaliação rápida e o alívio imediato dos sintomas para pacientes internados no fase final de vida, obtido por meio de um item predefinido destinado à inclusão nas prescrições médicas.

Antes da implementação do código, foram realizadas várias reuniões envolvendo lideranças e coordenadores de vários departamentos, incluindo equipe médica, enfermagem de UTI e TRR. Essas discussões garantiram que todos os membros da equipe chegassem a um consenso e aprovassem o projeto. Foram realizados treinamentos direcionados especificamente a enfermeiros de unidades de internação e médicos do TRR.

O período de treinamento durou aproximadamente 30 dias antes da implementação. Foram realizadas palestras presenciais para a equipe de enfermagem e para a equipe de educação continuada (composta por enfermeiros), por enfermeiro especialista em cuidados paliativos.

Foi realizado, treinamento on-line pré-gravado para equipes médicas que cuidam de pacientes internados, que teve como objetivo familiarizá-los com o código e sua finalidade. Um treinamento adicional foi oferecido às equipes médicas em setores de emergência, como pronto-socorro e UTI, pois poderiam gerenciar o cuidado à pacientes em situações em que o médico do TRR não estava disponível devido ao atendimento simultâneo ao paciente. Em seguida, foi realizado um seminário para tirar dúvidas com uma equipe especializada em cuidados paliativos. Por fim, e-mails informativos contendo o fluxograma de atendimento e exemplos de casos clínicos foram enviados a todos os membros da equipe.

Além disso, o treinamento sobre o código de conforto foi incorporado à lista de treinamentos obrigatórios para todos os profissionais médicos que trabalham em departamentos de emergência e enfermeiros recém-contratados pela instituição.

O código de conforto é prescrito pelo médico assistente, após avaliação e discussão adequadas com um grupo multidisciplinar, para pacientes com objetivos de cuidado bem estabelecidos de priorizar medidas de conforto, prevenir e aliviar o sofrimento.

Em seguida, é feito um registro na evolução médica do prontuário do paciente e o item "código de conforto" é adicionado à prescrição médica. Esse código indica que os parâmetros que acionam códigos de resposta rápida (por exemplo, Early Warning Score [EWS]), com alterações nos sinais vitais, não serão mais critérios para acionamento o TRR. Além disso, as prescrições médicas são ajustadas para intensificar o manejo dos sintomas, com foco no controle de questões como dor, dispneia e agitação. E a equipe de plantão no TRR é informada sobre pacientes que são candidatos ao código de conforto para reduzir vieses na avaliação e manejo em caso de acionamento deste código.

O código possui seis fatores desencadeantes: Dor (nova ou piora); dispneia (nova ou piora); sangramento ativo; vômitos não controlados com medidas iniciais; delirium e/ou agitação; e impressão subjetiva de desconforto físico. A presença de um ou mais desses gatilhos são indicados para o acionamento e pronto atendimento pelo TRR.

É importante ressaltar que a prescrição do código de conforto serve como um sinal para toda a equipe assistencial de que os objetivos de cuidado do paciente estão focados em lidar com o desconforto naqueles que se aproximam do fim da vida, principalmente em unidades de internação. Nesse estágio, as prioridades de atendimento não estão relacionadas a alterações nos sinais vitais - comumente usados como gatilhos para códigos de emergência - mas sim a sintomas clínicos de desconforto (por exemplo, os seis sintomas descritos acima) que os pacientes podem apresentar durante essa fase.

Neste estudo, o TRR é composto por um médico hospitalista; o enfermeiro e o fisioterapeuta envolvidos no fluxo de trabalho são aqueles que já prestam cuidados ao paciente na unidade de origem.

O paciente deve receber atendimento dentro de 5 minutos após a ativação do código e receber medidas de alívio apropriadas. O fluxograma de atendimento e resposta foi descrito na Figura 1 (Anexo 1), e o atendimento e a responsabilidade dos diferentes profissionais foram descritos na Tabela 1 (Anexo 2).

  1. RESULTADOS

O Código de Conforto foi prescrito para 187 pacientes, destes, 33 (17,64%) tiveram a prescrição do Código de Conforto retirada: 13 por não estarem em cuidados de fim de vida e 20 foram prescrições de médicos que interpretaram erroneamente o item do Código de Conforto na prescrição médica.

A amostra final do estudo foi composta por 154 pacientes. A mediana de idade foi de 84 anos (IIQ 75 - 92). A maioria era do gênero feminino (56,49%).

143 (92,85%) pacientes foram tratados pela equipe de cuidados paliativos e as condições basais mais comuns que levaram à indicação de cuidados paliativos foram tumores sólidos malignos (35,06%), fragilidade (24,68%) e demência avançada (24,03%) (Tabela 2, Anexo 2).

80 (51,94%) pacientes tiveram o Código de Conforto acionado em algum momento da internação, 24 (30,00%) desses pacientes apresentaram mais de um sintoma não controlado e 51 (63,75%) foram acionados mais de uma vez, sendo 21 (41,17%) pacientes com câncer e 15 (29,41%) com quadro de demência avançada (Tabela 3, Anexo 2).

A dispneia foi o principal motivo para o primeiro acionamento do Código de Conforto 46 (57,50%), seguido de impressão subjetiva de desconforto físico 19 (23,75%) e delirium/agitação sete (8,75%). Quando analisamos o principal motivo do último acionamento do Código de Conforto, encontramos a dispneia ainda como o primeiro motivo 31 (60,78%), seguido de impressão subjetiva de desconforto físico 11 (21,56%), delirium/agitação e dor com 4 (7,85%) (Tabela 4, Anexo 2).

Em relação ao desfecho desses pacientes, 28 (18,18%) receberam alta hospitalar, sendo que quatro (5,00%) tiveram código de conforto acionado durante a internação, enquanto 126 (81,82%) evoluíram à óbito na internação, sendo 117 (75,97%) na unidade de internação e 9 (5,84%) na UTI (Tabela 5, Anexo 2).

Entre os 76 pacientes que tiveram código de conforto acionado antes do óbito, 75 (98,68%) morreram na unidade de internação. Dos nove (5,84%) pacientes que faleceram na UTI, oito (88,88%) foram transferidos para a UTI sem o gatilho e acionamento do código de conforto, possivelmente devido à potencial reversibilidade do quadro clínico naquele momento e possível mudança no Objetivo de Cuidados destes pacientes, porém, estes pacientes evoluíram à óbito na mesma internação. Apenas um (11,12%) paciente teve o código de conforto acionado e foi transferido para a UTI devido a dificuldades no manejo dos sintomas na unidade de internação, evoluindo à óbito posteriormente (Tabela 5).

  1. DISCUSSÃO

Segundo a literatura, 50 a 60% ocorre no hospital6. A familiaridade com a avaliação e o conforto do paciente são cruciais para aqueles que cuidam de pacientes em fase final de vida, mas poucas universidades brasileiras abordam este tema em seus currículos de graduação. Um estudo transversal na Universidade Federal de São Paulo constatou que, embora 50% dos ingressantes na residência médica tenham relatado treinamento prévio em cuidados paliativos, a maioria (66,9%) o recebeu durante a graduação, com 57% frequentando universidades privadas. Apesar de 73,7% terem tido contato prévio com pacientes em fase final de vida, 77,2% se sentiram despreparados para prestar tais cuidados7. Além disso, este dado corroborou com o estudo de Dias (2023) cujos médicos residentes identificaram falta de treinamento para objetivo de cuidado e barreiras para realização de planejamento avançado de cuidados8.

Em 11 de novembro de 2022, o Ministério da Educação e o Conselho Nacional de Educação publicaram Parecer Homologatório sobre a Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Medicina e dá outras providências, incluindo o ensino em Cuidados Paliativos na grade curricular dos cursos de graduação em Medicina9.

No entanto, além dos médicos, a maioria dos profissionais de saúde não é treinada para cuidar de pacientes em fase final de vida. Uma minoria das universidades de saúde tem alguma disciplina no currículo de treinamento que ensina habilidades para cuidar destes pacientes, o que pode impactar negativamente no resultado, tanto para pacientes quanto para familiares.

Em Pricker (2017), um estudo foi realizado para determinar se um EWS automatizado existente poderia ser utilizado para a identificação de pacientes limitação de suporte invasivo e alinhamento de não realização de medidas de prolongamento da vida, concentrando se em priorização de medidas de conforto, foi descoberto que essa capacidade do EWS automatizado de identificar pacientes com maior risco de deterioração clínica, transferência para UTI, possível evolução para fase final de vida, a intervenção do TRR pode direcionar o acionamento e intervenção de cuidados paliativos a uma população "em risco"10.

Para isso, é necessária uma compreensão fundamental do prognóstico da doença antes de estabelecer o objetivo de cuidado adequado para o paciente, que deve ser revisado periodicamente e adaptado ao estado de saúde do paciente naquele momento. A discussão não se limita às preferências de fim de vida. O objetivo de cuidado geralmente se baseia em quatro prioridades do paciente: 1) cura 2) prolongamento da vida 3) reabilitação e preservação da função e 4) conforto4.

O objetivo de cuidado deve ser claramente comunicado entre todos os profissionais de saúde que cuidam do paciente em fase final de vida. Assim que a equipe entender que o objetivo de cuidado principal é priorizar conforto, eles saberão quando é apropriado ativar o código de conforto4.

Algumas das principais descobertas do nosso estudo revelam que a maioria dos pacientes com prescrição de código de conforto tiveram acionamento do código. Entre eles, 51 pacientes tiveram vários gatilhos, o que pode ser explicado pelo mesmo paciente apresentar vários sintomas não controlados ou, mais significativamente, pela evolução da compreensão da avaliação e ativação do código de conforto. A equipe de enfermagem e os fisioterapeutas geralmente têm uma percepção subjetiva dos sintomas e, embora possam observar essas impressões, nem sempre são capazes de avaliá-las com precisão.

Inicialmente, o código de conforto foi acionado mesmo na ausência de desconforto, mas devido a sinais vitais alterados, provavelmente decorrentes da falta de familiaridade com a ferramenta. À medida que os profissionais se familiarizavam com o processo, menos gatilhos ocorreram. Apesar das avaliações médicas, os sintomas muitas vezes permaneceram descontrolados ou pioraram à medida que a condição do paciente avançava para processo ativo de morte, necessitando de ajustes adicionais de medicação para o controle dos sintomas.

A implementação do Código de Conforto ratifica o que vemos na prática clínica: os sintomas podem se tornar mais intensos na fase final de vida, podendo até se tornar refratários, necessitando de sedação paliativa para alívio. No presente estudo, a maioria dos pacientes que tiveram Código de Conforto prescrito foi avaliada pelo TRR por apresentarem algum sinal ou sintoma de desconforto.

A piora de alguns sintomas é um indicativo de que o paciente está se aproximando da fase final de vida, onde seu manejo deve ser aplicado, visando seu controle e qualidade no cuidado. Alguns sintomas mais prevalentes e comuns neste momento são dispneia, rebaixamento do nível de consciência, desorientação ou delirium, dor (que também pode ser identificada por sinais não verbais como gemidos, choro, agitação, sudorese excessiva) e ainda, dependendo da doença, podem ocorrer sintomas como náuseas/vômitos e possível sangramento11.

Em nosso estudo, ao analisar os fatores que ativaram o código, a dispneia foi identificada como o principal sintoma tanto na avaliação inicial quanto na final. Que é um sintoma comum se manifesta em cuidados paliativos, com 70% dos pacientes sofrendo de dispneia durante as últimas seis semanas de vida. Origina-se de uma ampla gama de condições, incluindo malignidade, causas relacionadas ao tratamento (por exemplo, lobectomia, pneumonite, medicamentos que causam retenção de líquidos ou broncoespasmo), infecção, anemia, estágios avançados e/ou irreversíveis de doenças cardíacas, pulmonares, renais e hepáticas, bem como fatores psicológicos, como aumento da ansiedade12.

A impressão subjetiva foi a segunda razão desencadeadora do código. Uma das hipóteses para que tal sintoma tenha sido tão prevalente é que um número considerável de pacientes apresentava doenças que acometem o Sistema Nervoso Central como diagnóstico basal, entre elas as demências, por isso, avaliar o sintoma específico da causa do desconforto pode ser um desafio.

Sabemos que tais patologias estão relacionadas à idade avançada e são amplamente estudadas e tratadas, na maioria das vezes por geriatras como equipe principal e assistidos por uma equipe de cuidados paliativos.

Embora não seja uma parte normal do envelhecimento, a demência afeta principalmente pessoas mais velhas, corroendo suas habilidades cognitivas e funcionais e habilidades sociais, muitas vezes levando a um aumento de comportamentos desafiadores e alteração de humor. É uma doença neurodegenerativa crônica, progressiva e, em última análise, fatal, com várias causas diferentes. Atualmente, afeta 55 milhões de pessoas em todo o mundo, com a incidência de demência estimada em quase 10 milhões de novos casos/ano e a demência avançada é caracterizada por comprometimento cognitivo profundo, incapacidade de se comunicar verbalmente, dependência funcional completa e, muitas vezes, disfagia e dupla incontinência13-14.

Nosso estudo tem várias limitações. Primeiro, a realização em centro único limita a generalização dos achados. Em segundo lugar, embora tenhamos descrito os motivos para acionar o código de conforto e os resultados para esses pacientes, não foi possível incluir dados sociodemográficos, o que teria permitido uma análise estatística mais acurada. Em terceiro lugar, o gatilho do código de conforto não dependeu exclusivamente da equipe de cuidados paliativos da instituição, onde educar os profissionais de saúde para entender melhor os diferentes tipos de objetivo de cuidado e avaliar adequadamente o desconforto em pacientes em processo ativo de morte continua sendo um desafio.

Além disso, fatores como gravidade da doença e histórico de tratamento prévio podem atuar como fatores de confusão em estudos de cuidados paliativos, complicando a avaliação de intervenções como o Código de Conforto.

O estudo tem pontos fortes ao introduzir o Código de Conforto para cuidados de fim de vida, gerenciando o desconforto em pacientes internados em cuidados paliativos com objetivo de cuidado definido como priorização de medidas de conforto e pode ajudar na detecção precoce de sintomas desconfortáveis para esses pacientes. Alerta tanto para os profissionais de saúde quanto para os responsáveis pelos protocolos institucionais, enfatizando a importância de monitorar os sintomas e melhorar o manejo rápido de sintomas, acionando código de conforto para melhorar o atendimento e a segurança do paciente fase final de vida e destaca a necessidade de um melhor treinamento em cuidados paliativos.

Para pesquisas futuras, sugerimos a realização de estudos de acompanhamento sobre a implementação do código de conforto para avaliar se os sintomas dos pacientes foram controlados de forma mais eficaz ao longo do tempo. Além disso, seria valioso avaliar se a precisão da ativação do código apresenta melhora ao longo do tempo. Também é importante ressaltar que não houve reavaliação da equipe para garantir que os protocolos implementados fossem seguidos de forma consistente.

  1. CONCLUSÃO

A estratégia desenvolvida e implementada, orientada por uma necessidade clínica, reforça a importância da formação dos médicos e da equipa multidisciplinar em cuidados paliativos. Este estudo contribui para o sucesso da experiência em nosso serviço e pode servir como facilitador e guia tanto para os profissionais de saúde quanto para os responsáveis por protocolos institucionais.

O Código de Conforto auxilia no gerenciamento do desconforto em pacientes em fase final de vida, ressaltando a necessidade de monitoramento de sintomas, melhoria do atendimento e manejo rápido de sintomas, bem como o aprimoramento de treinamentos em cuidados paliativos.              

Referências

  1. Pontuação Nacional de Alerta Precoce (NEWS). Padronizar a avaliação da gravidade da doença aguda no NHS. Colégio Real de Médicos; 2012. Disponível em: https://www.rcplondon.ac.uk/sites/default/files/documents/national-early-warning-score-standardising-assessment-acute-illness-severity-nhs.pdf
  2. Usando a tecnologia para criar uma abordagem mais humanística para integrar os cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Am J Respir Crit Care Med. 2016; 193(2):242–50. DOI: 10.1164/rccm.201503-0625PP.
  3. Nelson JE. Integração dos cuidados paliativos no contexto da resposta rápida. Peito. 2015; 147(2):560–9. DOI: 10.1378/chest.14-1973.
  4. Stawiarski K, Jeyashanmugaraja GP, Edwards K, Bindelglass G, Lancaster G. Melhor compreensão do médico sobre as preferências de fim de vida do paciente: um projeto de melhoria da qualidade. J Gerenciamento de sintomas de dor. 2021; 62(6):1289–94. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2021.06.012.
  5. Santos AF, Ferreira EA, Guirro UB. Atlas dos cuidados paliativos no Brasil 2019. Rio de Janeiro: Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP); 2020.
  6. Fereidouni A, Rassouli M, Salesi M, Ashrafizadeh H, Vahedian-Azimi A, Barasteh S. Local preferido de morte em pacientes adultos com câncer: uma revisão sistemática e meta-análise. 2021;12:70459. DOI: 10.3389/fpsyg.2021.70459.
  7. Ioshimoto T, Shitara DI, do Prado GF, Pizzoni R, Sassi RH, de Gois AFT. A educação é um fator importante nos cuidados de fim de vida: Resultados de uma pesquisa sobre as atitudes e o conhecimento dos médicos brasileiros em medicina de fim de vida. BMC Med Educ. 2020; 20(1):339. DOI: 10.1186/S12909-020-02253-2.
  8. Dias LM, Frutig MA, Bezerra MR, Barra WF, Castro L, Rego F. Planejamento antecipado do cuidado e discussão dos objetivos do cuidado: Barreiras na perspectiva dos médicos residentes. Int J Environ Res Saúde Pública. 2023; 20(4):3239. DOI: 10.3390/ijerph20043239.
  9. Ministério de Educação. PARECER HOMOLOGADO: Despacho do Ministro, publicado no D.O.U. de 3/11/2022, Seção 1, Pág. 95: Alteração da Resolução CNE/CES nº 3, de 20 de junho de 2014, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. 2022.
  10. Picker D, Dans M, Heard K, Bailey T, Chen Y, Lu C, Kollef MH. Um estudo randomizado de discussões sobre cuidados paliativos vinculados a um alerta automatizado do sistema de alerta precoce. Clin Investig. 2017; 45(2): [intervalo de páginas não fornecido].
  11. Castilho RK. Manual de Cuidados Paliativos da Academia Nacional de Cuidados Paliativos ANCP. 3rd ed. Rio de Janeiro: Atheneu; 2021.
  12. Voltar I. Dispneia/falta de ar. Diretrizes de cuidados paliativos. Mais site. Acessado em 23 de março de 2024. Disponível a partir de: http://bit.ly/2QoPO2z
  13. Organização Mundial da Saúde (OMS). Ficha informativa sobre demência. Acessado em 23 de março de 2024. Disponível a partir de: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/dementia
  14. Walsh SC, Murphy E, Devane D, Sampson EL, Connolly S, Carney P, O'Shea E. Intervenções de cuidados paliativos na demência avançada. Sistema de Banco de Dados Cochrane Rev. 2021; 2021(9):CD011513. DOI: 10.1002/14651858.CD011513.pub2.

ANEXO 1

FIGURAS

Figura 1. Fluxograma de assistência e resposta

ANEXO 2

TABELAS

Tabela 1. Assistência e responsabilidade de diferentes profissionais

Agente

Ação

Observação

1

Equipe Multidisciplinar

Identificar a presença de qualquer desconforto no paciente em cuidados paliativos com diretivas antecipadas definidas e que se encontram no final da vida.

Ligue para a enfermeira.

No EOL, são esperadas mudanças nos sinais vitais

2

Enfermeira

Avalie o paciente:

O código de conforto está na prescrição médica?

Se a resposta for sim, NÃO acione para o código amarelo ou azul

Se a resposta for não, acione o código amarelo (se o paciente tiver os critérios para acioná-lo)

3

Enfermeira

Verifique se há medicação para conduta inicial na prescrição médica

Se não houver melhora nos sintomas do paciente, acione o código de conforto

4

Enfermeira

Acione o código de conforto por meio do BIP

Registre as informações em uma anotação de enfermagem e prescrição no item "código de conforto do gatilho"

Comunique o enfermeiro de cuidados paliativos, se durante o seu horário de trabalho

5

Médico hospitalista

Avalie o paciente em 5 minutos

Se necessário, entre em contato com a equipe do médico assistente ou com a equipe de cuidados paliativos

Definir conduta médica e registrar no prontuário médico

Existe a possibilidade de transferência para a UTI se houver necessidade de controle de sintomas ou de cuidados familiares

6

Fisioterapeuta

Avalie o paciente em 5 minutos e ajude no controle dos sintomas

---

7

Enfermeira

Reavaliar o paciente após a abordagem médica

Se não houver melhora nos sintomas do paciente, acione o código de conforto novamente

Tabela 2. Indicação inicial de cuidados paliativos

Indicação de linha de base de cuidados paliativos

N (frequência)

% (percentagem)

Tumores sólidos malignos

54

35.06%

Fragilidade

38

24.68%

Demência avançada

37

24.03%

Câncer Hematológico

5

3.25%

Doença vascular cerebral

5

3.25%

Cirrose

4

2.60%

Outras doenças neurológicas

3

1.95%

Insuficiência Cardíaca (CI)

3

1.95%

Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

2

1.30%

Outros

1

0.65%

Insuficiência renal crônica

1

0.65%

Encefalopatia Anóxica

1

0.65%

Total

154

100.00%

Tabela 3. Diagnósticos de pacientes com Código de Conforto acionados

Quantidade de Código de Conforto acionada

Neoplásica

N = 36 (45,00%)

Demência

N = 20 (25,00%)

Fragilidade

N = 11 (13,75%)

Outros

N = 13 (16,25%)

Total

N = 80

1

15 (41.67%)

5 (25.00%)

6 (54.54%)

3 (23.09%)

29 (36.25%)

2

9 (25.00%)

9 (45.00%)

4 (36.36%)

6 (46.15%)

28 (35.00%)

3 ou mais

12 (33.33%)

6 (30.00%)

1 (9.00%)

4 (30.76%)

23 (28.75%)

Tabela 4. Principais sintomas para acionar o código de conforto

Primeira ativação

N (%)

Última ativação

N (%)

Valor de p

Dispneia

46 (57.50%)

Dispneia

31 (60.78%)

P = 0,19

Impressão subjetiva de desconforto físico

19 (23.75%)

Impressão subjetiva de desconforto físico

11 (21.56%)

P = 0,19

Delírio/agitação

7 (8.75%)

Delírio/agitação

4 (7.85%)

P = 0,19

Dor

6 (7.50%)

Dor

4 (7.85%)

P = 0,19

Hemorragia

1 (1.25%)

Hemorragia

1 (1.96%)

P = 0,19

Vómito

1 (1.25%)

Vómito

0

-

Total

80

Total

51

1.0

Tabela 5. Evolução de pacientes com e sem ativação do Código de Conforto

Resultado

Resultado geral

N (%)

Evolução dos pacientes cujo código de conforto foi ativado

N (%)

Valor de p

Alta Hospitalar

28 (18.19%)

4 (5.00%)

P = 0,2

Óbito na UTI

9 (5.84%)

1 (1.25%)

P = 0,19

Óbito em unidade de internação

117 (75.97%)

75 (93.75%)

P = 1,0

Total

154

80

P = 1,0